No dia 6 de Agosto de 1945, o avião B-29 Enola Gay da Força Aérea dos EUA largou o Little Boy, nome com que os Estados Unidos baptizaram a primeira bomba nuclear. A cidade japonesa de Hiroshima recordou hoje as cerca de 140 mil vítimas mortais da primeira bomba atómica, com um minuto de silêncio observado no momento exacto em que o ataque ocorreu, há 79 anos.
A homenagem foi realizada no Parque da Paz, localizado perto do centro da explosão nuclear, após soar o sino que marca todos os anos o bombardeamento.
O minuto de silêncio foi assinalado no âmbito de uma cerimónia em que participaram o autarca de Hiroshima, Kazumi Matsui, e o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, e para a qual foram convidados dignitários estrangeiros de mais de uma centena de países, bem como bem como representantes de organizações internacionais como as Nações Unidas ou a Organização Internacional de Energia Atómica.
A bomba lançada sobre Hiroshima, no oeste do Japão, tinha uma potência equivalente a 13 quilotoneladas de TNT e explodiu a cerca de 600 metros acima do nível do mar, muito perto do local onde hoje se situa o Parque da Paz, causando a morte imediata de cerca de 80 mil pessoas.
O balanço mortal aumentou para perto de 140 mil até ao final de 1945, embora o número exacto de vítimas causadas pelo bombardeamento e os efeitos subsequentes da radiação sejam desconhecido.
Em 9 de agosto de 1945, três dias após o ataque a Hiroshima, os EUA lançaram uma segunda bomba nuclear sobre a cidade de Nagasaki, levando à rendição do Japão, seis dias depois, e pondo fim à Segunda Guerra Mundial.
As duas cidades japonesas permanecem até hoje os únicos alvos de bombardeamentos nucleares contra alvos civis na história da humanidade.
Em Agosto de 2019, o embaixador de Angola no Japão, Rui Xavier, em representação do Corpo Diplomático Africano naquele país, depositou uma coroa de flores no Parque da Paz de Nagasaki. Em contrapartida o genocídio de milhares de angolanos (talvez 80 mil), em Angola, nos massacres de 27 de Maio de 1977 não passam, oficialmente, de… “excessos”.
O embaixador, a sua esposa, Fátima Xavier, o agente consular Hélder Congo e os restantes membros do corpo diplomático acreditado no Japão participaram também na homenagem às vítimas da bomba atómica “Litlle Boy” sobre Hiroshima, a 6 de Agosto 1945.
O Parque da Paz de Nagasaki é um espaço tranquilo e lembra ao mundo os horrores da guerra e a sua inutilidade. O complexo é composto por dois parques e um museu memorial.
No centro do complexo fica o Hypocenter Park, com um monólito preto simples que marca o epicentro da explosão. Perto há um pilar danificado da antiga Catedral Urakami que foi destruída na explosão. Além disso, há uma área que permite aos visitantes ver uma camada de solo abaixo da superfície do parque, onde ainda permanecem telhas quebradas, tijolos e pedaços, consequência da explosão.
Não foi no Japão, foi mesmo em Angola
O Governo angolano, que desde 1975 sempre foi do MPLA, admite agora e apenas “excessos”, com “execuções e detenções sumárias” em 1977, por ocasião dos massacres de milhares e milhares de angolanos no genocídio do 27 de Maio, ordenado por Agostinho Neto. Excessos. Não mais do que excessos. Certamente de pequena monta. O MPLA pode, e assim tem feito, contar várias versões da História. Quanto à verdade, que só tem uma versão, ainda não a consegue assumir. Lá chegaremos quando Angola for o que ainda não é, um Estado Democrático de Direito.
O Governo do MPLA promete, inclusive, introduzir o tema dos direitos humanos nos programas escolares para prevenir novos casos no futuro.
O reconhecimento foi feito em Novembro de 2018 pelo então ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Francisco Queiroz, que, em declarações à Rádio Nacional de Angola (RNA), admitiu ter havido, da parte do Governo de então (do MPLA), uma “reacção excessiva aos acontecimentos que se seguiram à tentativa de golpe de Estado”, levada a cabo pelos que ficaram conhecidos por “fraccionistas” do MPLA.
“Muitos desses actos ocorridos na altura atentaram contra os Direitos Humanos. Houve execuções e prisões arbitrárias. Tudo isso está um pouco esquecido, mas precisamos lembrar para que não volte a acontecer”, afirmou o ministro.
A 27 de Maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação aparentemente liderada por Nito Alves – ministro do Interior (do MPLA) desde a independência (11 de Novembro de 1975) até Outubro de 1976 -, foi violentamente reprimida pelo regime (do MPLA) do então Presidente, Agostinho Neto.
Segundo a versão oficial, a dos vencedores, seis dias antes, a 21 de Maio, o MPLA expulsara Nito Alves do partido, o que levou o antigo ministro, com vários apoiantes, a invadirem a prisão de Luanda para libertar outros seus simpatizantes, assumindo, paralelamente o controlo da estação da rádio nacional, na capital, foiçando conhecidos como “fraccionistas”.
As tropas leais a Agostinho Neto, com o apoio de militares cubanos, acabaram por restabelecer a ordem e prenderam os revoltosos, seguindo-se, depois, o que ficou conhecido como “purga”, com a eliminação das facções, tendo sido mortas cerca de 80 mil pessoas, na maior parte, sem qualquer ligação a Nito Alves, tal como afirmou a Amnistia Internacional (AI) em vários relatórios sobre o assunto.
A verdade não prescreve
Os “acontecimentos de 27 de Maio de 1977 em Angola, que provocaram milhares de mortos, foi um “contra-golpe” resultado de uma provocação, longa e pacientemente planeada, tendo como responsável máximo Agostinho Neto, que temia perder o poder”, segundo o livro “Purga em Angola (O 27 de Maio de 1977)”, da autoria dos historiadores portugueses, já falecidos, Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus.
Nessa altura, Nito Alves, então ministro da Administração Interna sob a presidência de Agostinho Neto, liderou uma manifestação para protestar contra o rumo que o MPLA estava a tomar. Segundo o livro “havia que evitar que os ‘nitistas’ chegassem ao Congresso, anunciado para finais de 1977” porque “existia o sério risco de conquistarem os principais lugares de direcção”.
“A preocupação de Neto e dos seus era, pois, o poder. E pelo poder fariam tudo”, acrescentam os autores do livro. E fizeram tudo. Assassinaram milhares e milhares de angolanos e ainda não foram julgados. Não só não foram julgados como andam por cá, impávidos e serenos, a transformar o nosso país num reino com 20 milhões de pobres.
Dalila Mateus afirmou na sua obra que as informações constantes no livro não serão “a verdade completa” sobre o 27 de Maio, mas serão, “certamente, a verdade possível, que não estará muito longe da realidade”. Por seu lado, Álvaro Mateus afirmou que o objectivo é recordar “um passado sombrio, na esperança de que não se volte a repetir”.
Na versão oficial, através de uma declaração do Bureau Político do MPLA, divulgada a 12 de Julho de 1977, o 27 de Maio foi uma “tentativa de golpe de Estado” por parte de “fraccionistas” do movimento, cujos principais “cérebros” foram Nito Alves e José Van-Dunem, versão que seria alterada mais tarde para “acontecimentos do 27 de Maio”.
Nito Alves e José Van-Dúnem tinham sido formalmente acusados de fraccionismo em Outubro de 1976. Os visados propuseram a criação de uma comissão de inquérito, que foi liderada pelo depois Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, para averiguar se havia ou não fraccionismo no seio do partido.
As conclusões desta comissão nunca chegaram a ser divulgadas publicamente mas, segundo alguns sobreviventes, revelariam que não existia fraccionismo no seio do MPLA. De acordo com o livro, o próprio José Eduardo dos Santos e o primeiro-ministro de então, Lopo do Nascimento, seriam também alvos a abater pela cúpula do MPLA. José Eduardo dos Santos terá sido salvo pelo comissário provincial do Lubango, Belarmino Van-Dúnem.
Os apoiantes de Nito Alves consideravam que o golpe já estava a ser feito por uma ala maoísta do partido, liderada pelo secretário administrativo do movimento, Lúcio Lara, e que terá instrumentalizado os principais centros de decisão do partido e os media, em especial (e a tradição continua a ser o que era) o Jornal de Angola, pelo que consideraram que a manifestação convocada por Nito Alves foi “um contra-golpe”.
Os autores do livro chegam à mesma conclusão depois de cruzarem a informação recolhida, desde entrevistas a sobreviventes, ex-elementos da polícia política (DISA) e antigos responsáveis do MPLA, a notícias ou arquivos da PIDE e do Ministério dos Negócios Estrangeiros português.
De acordo com o estudo, “a purga no MPLA atingiu enormes proporções” e é citado um livro laudatório de Agostinho Neto em que se assinala que “o número de militantes do MPLA, depois das depurações, baixara de 110.000 para 32.000”.
Em relação ao número de mortos, os autores optam pela versão dos 30.000, justificando que “no meio-termo estará a virtude”, depois de analisarem dados tão díspares que vão dos 15.000 aos 80.000… ou até mais.
O livro tentou reconstruir os acontecimentos antes, durante e pós 27 de Maio de 1977 e dá conta de testemunhos que referem os horrores a que os chamados fraccionistas foram submetidos, desde prisões arbitrárias, a tortura, condenações sem julgamento ou execuções sumárias.
O apontado líder do alegado golpe de Estado terá sido fuzilado, mas o seu corpo nunca foi encontrado, tal como o dos seus mais directos apoiantes como José Van-Dúnem e mulher, Sita Valles, que foi dirigente da UEC, ligada ao Partido Comunista Português, do qual se desvinculou mais tarde, e foi expulsa do MPLA.
Em Abril de 1992, o governo angolano reconhece que foram “julgados, condenados e executados” os principais “mentores e autores da intentona fraccionista”, que classificou como “uma acção militar de grande envergadura” que tinha por objectivo “a tomada do poder pela força e a destituição do presidente (Agostinho) Neto”.
Segundo os autores do livro, “as principais responsabilidades” do 27 de Maio “recaem por inteiro sobre Agostinho Neto” que “não se preocupou com o apuramento da verdade, dispensou os tribunais, admitiu que fizessem justiça por suas próprias mãos”.
O então Presidente da República “acabaria por se revelar o chefe duma facção e não o árbitro, o unificador. Dominado pela arrogância, pela inflexibilidade e pela cegueira, foi incapaz de temperar a justiça com a piedade”, referem.
Quanto à herança do 27 de Maio, o livro conclui que “Angola perdeu muitos dos seus melhores quadros: combatentes experimentados em mil batalhas, mulheres combativas, jovens militantes, intelectuais e estudantes universitários”.
“Os vencedores do 27 de Maio parece terem conseguido o milagre de fazer desaparecer os que sonhavam com um futuro melhor, mais igualitário e mais fraterno para os angolanos”, dizem, acrescentando que se “impôs no país um clima de medo e de violência” porque falar do 27 de Maio se tornou “um tabu”.
Destacando que este era um livro “para gente boa”, Álvaro Mateus cita uma frase de Martin Luther King: “O que mais nos preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem carácter, nem dos sem moral. O que mais nos preocupa é o silêncio dos bons”.